segunda-feira, 27 de julho de 2009

DOCTV - Divino Encanto


Por: João Daniel Donadeli


A Festa do Divino é um culto ao Espírito Santo em suas diversas manifestações e está entre as mais antigas e difundidas práticas do catolicismo popular. As cantorias e marchas pelo divino, chamadas de desobriga, são tradicionais em muitas regiões brasileiras. Um rito mítico-religioso trazido pelos colonizadores que se perpetuou pelas rememorações e crenças populares.

Para retratar esse misticismo dos cantadores do divino do sertão do Piauí, o documentário Divino encanto, de Luciano Klaus, traça um paralelo entre o sagrado e o profano, através de retratos cotidianos do sertanejo e da figura transcendente do mito. Sagrado, aqui entendido como o mito das manifestações que transcendem o plano real; e profano, como as ações cotidianas que se fundem com o sagrado, nos dias de desobriga.

Os sulcos no rosto do sertanejo revelam a peleja de uma vida, o falar simples descompromissado e cativante constrói o personagem sobre ele mesmo. As dificuldades e os obstáculos para cumprir sua catarse fazem parte da penitência e resistência para se obter a graça.
Além do aspecto de força, pois “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”, na imagem de Euclides da Cunha, esse homem e suas práticas culturais também exercem fascínio na maioria de nós, de um lado, pelo exotismo e, de outro, pela necessidade que temos de conhecer o próximo.

O documentário de Luciano Klaus é construído dentro desse universo mitológico da cantoria do divino, a música e a fé desmedida, em consonância com a lida diária.
Céu azul intenso, terra seca e rachada e a vegetação da caatinga compõem o cenário sertanejo; imagens sacras, estandarte, instrumentos de corda e percussão e as vozes da cantoria criam o universo ritualístico sagrado.

A fé é algo intrínseco à vida sertaneja: não se fala em sertão sem que se fale de religiosidade, não se fala em sertanejo sem expor a sua fé. Dessa maneira, os personagens revelam a atmosfera transcendente e imagética naturalmente, tanto em suas ações diárias, quanto em suas práticas religiosas.

Essas práticas, ao longo dos anos, sofrem alterações e correm o risco de se tornar cada vez menos frequentes e até desaparecer, daí a importância de seu registro documental.
Divino encanto está sendo exibido nas tevês públicas e faz parte da quarta edição do DOCTV, programa federal de incentivo à produção e difusão de documentários.

Divino encanto (Brasil, 52 min.)
Autor e Diretor: Luciano Klaus

PERIFERIA.COM


Por: João Daniel Donadeli


As lan houses invadem as regiões pobres e periféricas da metrópole e mudam o cotidiano de seus moradores; comerciantes locais, levados pelo vácuo digital, sem ao menos ter tido algum contato com o computador, se aventuram na empreitada de uma lan house; a periferia das cidades, com todas as suas carências, absorve vorazmente esse novo meio de “entretenimento” como se fosse o único, o que, de certa maneira, é.

Eis o cenário que queria retratar em Periferia.com, projeto selecionado pela quarta edição do DOCTV, programa federal de estímulo à produção de documentários.

E a ideia para o que se tornaria o documentário Periferia.com surgiu assim: depois de mais de quinze anos morando na periferia e, como a maioria, trabalhando em outras regiões, observava que as lan houses, inicialmente exclusivas das regiões mais ricas, começavam a pipocar na periferia paulistana.

Escolhi um parceiro, para revelarmos juntos esse processo: Alexandre Rampazzo, documentarista que conhecera na faculdade, depois de ter escrito um comentário sobre filme de sua autoria que retratava o trabalho escravo.

Desde o início da produção, nosso propósito era o de revelar as mudanças cotidianas das crianças da periferia, que sempre improvisaram momentos de diversão com pipas, carrinhos de rolimã, partidas de futebol no campinho. Percebíamos que essas brincadeiras mais tradicionais cediam espaço aos atrativos dos computadores das lan houses.

Porém, foi só em campo que as coisas tomaram forma. Descobrimos que as mudanças seguiam a ordem natural da própria era digital, e aquelas brincadeiras “analógicas” que ficavam para trás apenas acompanhavam um processo de renovação.

Decerto não podíamos esperar que, em pleno século XXI, a molecada, mesmo pobre e periférica, se mantivesse contraditoriamente “alienada” aos novos tempos.

Em campo, também percebemos que as lan houses que motivaram o Periferia.com eram apenas a ponta do iceberg digital e que outras já estavam lá, no gueto dos guetos, havia muito mais tempo.

O critério de escolha dos personagens privilegiou gente de fato envolvida no processo de inclusão tecnológica da periferia e não apenas especialistas acadêmicos, opinando, muitas vezes, sobre um processo totalmente alheio e desconhecido.

Por isso, proprietários de lan houses, líderes comunitários, crianças da quebrada e coordenadores de ONGs de inclusão digital são a voz fundamental do documentário, as fontes principais. E todos, incluindo os especialistas ouvidos, não são identificados no filme por sua posição social, ou cargo. Periferia.com quis colocar todos em um único patamar conceitual.

As animações em Blender 3D são parte do que se pretendia revelar da mudança: a imagem animada ficcionalmente sobre um processo real em transformação, com base nas novas tecnologias.

Quando se busca retratar a realidade da maneira como se apresenta, a maior dificuldade que o documentarista encontra é fazer com que essa realidade se encaixe em seu projeto, e é claro que ela se nega a ser conduzida.

Então coisas acontecem sem que se possa prever. Foi o que aconteceu com a maioria dos nossos personagens, que assumiam a direção das entrevistas e entrevistavam pessoas que não estavam na pauta, como o diretor da escola que conversa com a classe e o radialista que entrevista os rappers. A grande sacada de Periferia.com, na minha modesta opinião, é exatamente essa: dar voz à periferia e deixar que ela fale por si.

Em síntese, Periferia.com revela essa gente marginalizada e isolada pela segregação econômica e social, que encontra nas lan houses não só uma forma de entretenimento, mas também uma maneira de se mostrar para o mundo e também de ver o mundo. É um modo de participar desse processo global e hegemônico como pode, com os meios que lhe são disponíveis.

Periferia.com (Brasil, 52 min.)
Autor: João Daniel Donadeli
Diretores: João Daniel Donadeli e Alexandre Rampazzo

terça-feira, 7 de julho de 2009

DOCTV IV - Olho de gato perdido.


Por: João Daniel Donadeli


A crença forte só prova a sua força, não a verdade daquilo em que se crê” (Nietzsche)

No ano de 1975, alguns aventureiros cinematográficos realizaram, no município de Pancas, no Espírito Santo, com uma câmera super-8, um faroeste caboclo imerso em histórias de garimpo. Esse filme, chamado Olho de gato, se extraviou e pouco se sabe de seu paradeiro.

O documentário Olho de gato perdido mergulha nesse universo de histórias de garimpeiros e lavradores com a intenção de reencontrar aquele filme; ao mesmo tempo, revela o cotidiano do garimpo.

Briga por pedra preciosa, que resultou na morte de garimpeiros, serviu de inspiração para o filme perdido. Ali o cotidiano e o imaginário dos trabalhadores foram as principais fontes para a sua realização, como ficção baseada na realidade.

Com essa retaguarda, Vitor Graize, o diretor de Olho de gato perdido, lança mão de artifício de grande credibilidade no filme documental: o compromisso com a verdade.

Assim cria uma teia que envolve o espectador nos depoimentos dos personagens, que reforçam a demanda do filme perdido, dando sustentação à suposta verdade; entretanto, a verdade é algo questionável e manipulável.

O suspense gerado pela busca e o viés metalinguístico distraem o espectador, e as pistas lançadas pelo diretor, a fim de levar ao questionamento da verdade, ficam despercebidas, aumentando o impacto da conclusão do filme: ficção perseguindo a realidade, realidade sendo manipulada pela ficção.

A verdade posta em dúvida, como fecho de um documentário cujo fio condutor é a busca de um filme de ficção, denota a intenção de levar o espectador a percorrer caminho paralelo entre ilusão e imaginário, entre ficção e documentário, entre verdade e falsidade.

Com uma dose rara de suspense, uma proposta muito criativa e personagens cativantes, Olho de gato perdido não deixa de informar exclusivamente para cumprir a intenção de iludir, pois, como se sabe, nem tudo é aquilo que parece ser.

O filme faz parte da quarta edição do programa federal DOCTV, de incentivo à produção de documentários, e está sendo exibido pelas tevês públicas de todo o país.

Olho de gato perdido (Brasil, 52 min.)
Autor e diretor: Vitor Graize


sábado, 4 de julho de 2009

Entrevista João Daniel Donadeli- PERIFERIA.COM


www.periferia.comdocumentario.blogspot.com